Como tem sido amplamente propagado pela Internet (e até fora dela), a empresa facebook está alterando os termos de uso do aplicativo WhatApp. A principal mudança é que, pelos novos termos, o compartilhamento de dados dos usuário desse aplicativo com outras empresas da facebook, que era algo que ainda não tinha sido considerado em toda a sua extensão, passa a ser obrigatório. Caso não concorde com isso, o usuário deve encerrar a sua conta do WhatsApp. Na prática, deveria ser sempre assim, ou seja, ou você aceita os termos ou não usa o serviço. Mas quem nunca clicou no botão "Eu aceito" sem ler os termos de uso e privacidade de algum serviço web, que taque o primeiro byte... 🙂
Cabe destacar que, atualmente, as aplicações da facebook (entre elas o WhatsApp) já são reconhecidas por serem gulosas em relação à quantidade de dados que capturam. E essa discussão sobre privacidade de dados é antiga (eu mesmo já escrevi, há alguns anos, sobre isso, aqui e aqui). Só que, dessa vez, talvez motivados por declarações de alguns "influenciadores digitais" e, tardiamente, pela imprensa especializada, muita gente começou a ficar incomodada (talvez tenha caído a ficha do que significa clicar nos "Eu aceito" da vida... talvez...). 🤔
Mas eu estou divagando (como sempre faço). O que interessa aqui é que observamos uma migração em massa para outros serviços de comunicação instantânea, especialmente o Telegram e o Signal. E a corrente migratória foi tão impressionante que a facebook acionou seus mecanismos de controle de danos: publicações de anúncios em mídia especializada e stories e adiamento da data limite para aceitação dos termos, do dia 8 de fevereiro para 15 de maio. Entretanto, que fique bem claro, sem nenhuma sinalização de alteração das novas políticas. Ou seja, é o bom e velho "empurrar o problema com a barriga", pois os termos vão continuar do mesmo jeito que estão.
E pra terminar esse prâmbulo, gostaria de indicar uma análise bastante detalhada dos novos termos de uso, produzida pelo Manual do Usuário, que vale muito a pena ler. Nesse meu artigo, estou focando somente no ponto que eu acho que tem sido menos discutido nas publicações que tenho visto por aí.
Agora, o que mais tem me incomodado em toda a discussão que surgiu, é que a falta de uma leitura mais atenta dos termos de uso tem gerado um entendimento equivocado da real dimensão do problema. Muito se tem falado, inclusive na mídia especializada, que, com as novas regras, as pessoas terão os dados do WhatsApp compartilhados com o facebook. E aí está a principal pegadinha, ao meu ver. O compartilhamento de dados não é com o serviço facebook, mas sim com a empresa facebook (e todas as outras sob seu guarda-chuva). Nos novos termos, na seção How We Work With Other Facebook Companies, está escrito o seguinte, em tradução livre (o original está aqui):
Como parte das Empresas do Facebook, o WhatsApp recebe informações de, e compartilha informações (veja aqui) com, as outras Empresas do Facebook. Podemos usar as informações que recebemos delas, e elas podem usar as informações que compartilhamos com elas, para ajudar a operar, oferecer, melhorar, compreender, personalizar, dar suporte e comercializar nossos Serviços e suas ofertas, incluindo os Produtos da Empresa do Facebook.
A coisa piora bem mais, porque, logo abaixo, temos esse trecho, na seção Assignment, Change Of Control, And Transfer:
No caso de estarmos envolvidos em uma fusão, aquisição, reestruturação, falência ou venda de todos ou alguns de nossos ativos, compartilharemos suas informações com as entidades sucessoras ou novos proprietários em conexão com a transação, de acordo com as leis de proteção de dados aplicáveis.
Ficou claro agora o tamanho da bagaceira? Basicamente o que escrito aí é que os dados do WhatsApp serão compartilhados não só com todas as atuais empresas pertencentes à facebook, como também a quaisquer outras empresas que a facebook incorpore. E mais, caso a facebook feche suas portas e/ou venda qualquer uma das suas empresas, os novos donos passam a ter, automaticamente, acesso aos seus dados. Ou seja, ao concordar com os novos termos de uso, você está entregando seus dados não só para as atuais empresas da facebook, mas também a qualquer outra empresa que seja incorporada ao grupo ou vendida para terceiros. Olha só o tamanho do cheque em branco que os usuários do WhatsApp estão assinando!
Eu já estava incomodado com o WhatsApp há um tempo. Não só pela coleta e cruzamento de dados, também pelo fato dele expor o meu número de telefone para todos os integrantes de qualquer grupo em que eu participar. Ou seja, entregamos de bandeja nossos telefones para qualquer pessoa que participe de grupos do WhatsApp (e é muito fácil extrair todos os números do grupo, quando se abre o aplicativo no navegador). Com isso, já estava ensaiando minha saída há um tempo e estava lá exclusivamente por conta do meu trabalho e contato com parte da minha família. Mas agora já deu. Conhecendo a absoluta falta de ética da facebook, não dá pra oferecer esse tipo de poder aos caras. Então, encerrarei minha conta lá no domingo, dia 7 de fevereiro. Sim, eu sei que eles prorrogaram o prazo de aceite dos termos para o dia 25 de maio. Mas pra que adiar algo que já está decidido? 🙂 (edição 08/02: claro que os envolvidos em alguns projetos que eu participo foram dar atenção ao meu aviso de saída somente ontem, então, pra evitar maiores problemas, prorroguei esse prazo até sexta, dia 12/02).
Obviamente, eu recomendo a todo mundo fazer o mesmo que eu e sair fora do WhatsApp. Inclusive porque existem diversas outras opções de comunicadores instantâneos (eu até aponto algumas aqui). E vários desses outros aplicativos dão um banho no WhatsApp em matéria de funcionalidades e recursos. Por exemplo, nenhum deles exige que você deixe o celular ligado para poder acessá-lo a partir de outros aparelhos (o que, convenhamos, é muito idiota).
Entretanto, como toda mudança, essa é uma decisão pessoal. Sei que existem pessoas que dependem do WhatsApp para diversos motivos, como contatos profissionais, por exemplo. Mas deixo um convite para façamos ao menos um pequeno esforço para avaliarmos essas nossas (muitas vezes supostas) dependências. Será que é impossível mudarmos nossas conexões profissionais para outras redes (que, inclusive, oferecem mais recursos?). E, principalmente, acho fundamental evitarmos negacionismos e falas do tipo "o facebook já sabe tudo sobre mim mesmo" ou "eu não tenho nada a esconder, então nem ligo". Inclusive porque sempre existe algo a mais para se saber sobre você - até mesmo porque estamos sempre mudando coisas em nossas vidas - e você sempre vai ter algo a esconder - por exemplo, você não fala sua senha de banco pra todo mundo, nem sai contando, para outras pessoas, segredos que são confiados a você. Então, antes de embarcar nas respostas fáceis, pense um pouco sobre como você efetivamente gerencia sua vida social e suas comunicações. Sempre dá pra gente rever e mudar velhos hábitos. 🙂