Imagine a cena, você chega ao aeroporto para pegar um vôo internacional e, no balcão de atendimento, a simpática atendente, ao invés de lhe dar o bilhete de passagem, coloca no seu pulso um objeto semelhante a um relógio, mas sem ponteiros. Um bracelete. E lhe explica que aquilo funciona como seu cartão de embarque e de bagagem: ele contém seus dados pessoais e do seu vôo e serve como um identificador para suas bagagens. No final, de maneira bem trivial, quase disfarçada, ela lhe avisa que aquele dispositivo também poderá lhe dar uma descarga elétrica que o imobilizará por alguns minutos. "Mas somente se o senhor iniciar um ataque terrorista no vôo. Tenha uma boa viagem!" – ela sorri e chama o próximo. E você sai arrastando sua bagagem e processando a informação final: descarga elétrica, terrorista….. Epa! Mas eu não sou terrorista! Pois é… Então é bom deixar isso bem claro pra todo mundo…

Parece delírio, mas não é. O Washington Times publicou uma matéria justamente sobre isso. Com o título "Want some torture with your peanuts?" (algo como "Deseja alguma tortura junto com seus amendoins?") eles falam de um dispositivo chamado Eletronic ID Bracelet ("bracelete de identificação eletrônica") que serviria para identificar o passageiro e suas bagagens, rastreá-lo durante todo o tempo que ele o estiver utilizando e, sob um comando, disparar uma descarga elétrica que provoca imobilização muscular do seu usuário (ele atuaria no estilo de um taser, que já é utilizado por algumas empresas de segurança, polícia e exércitos). E o pior. Aparentemente já existe algum diálogo entre alguns setores do governo dos EUA ("terra da liberdade", alguém ainda leva esse bordão à sério?) e a empresa produtora para a aquisição desse equipamento.

Obviamente existe uma série de implicações contrárias a esse tipo de prática. Primeiro porque ela parte do princípio de que todo mundo é um terrorista em potencial. Segundo porque uma vez que contém seus dados pessoais associados a um GPS (lembre-se que o bracelete tem um rastreador) é uma ofensa a qualquer discussão sobre privacidade. E terceiro, porque é uma idéia imbecil.

Imbecil porque é passível de ser burlada por vários métodos. Começando pela maneira mais óbvia: será que o terrorista não poderia simplesmente cortar o bracelete antes de anunciar o ataque? Ah, mas eles podem fazer um bracelete de aço ou qualquer outro material maleável e resistente a corte, como kevlar. Bom, uma vez que ele vai começar a usar o bracelete antes de entrar no vôo, ou seja, estará livre pelo saguão do aeroporto, nada impede que ele use uma ferramenta qualquer para fazer o corte, emendá-lo para parecer que está íntegro e só soltá-lo depois que entrar no avião. Outra forma é que, como é um dispositivo eletrônico, ele pode ser estudado e poderia ser produzido um equipamento para alterar suas funções. Esse equipamento poderia estar disfarçado de smartphone ou mesmo notebook, que são permitidos de serem levados no vôo. Alías, poderia ser feito algo pior, esse equipamento poderia assumir o controle dos outros braceletes e o feitiço virar contra o feiticeiro, ou seja, os terroristas imobilizarem todos os passageiros e realizar seu ataque sem nenhuma preocupação. Bom, espero que nenhum terrorista em potencial esteja lendo esse artigo…  

Além de ser burlável, é uma idéia perigosa. E se ocorrer alguma pane no controle central ou no bracelete do usuário e começarem a ocorre descargas aleatórias? Ou ainda, como seria a interação desse aparelho com outros que gerem algum campo eletromagnético, como celulares ou notebooks? Não poderia ser disparados acidentalmente?

É incrível como o medo e a paranóia tornam as pessoas peças fáceis de serem manipuladas. E como elas aceitam abrir mãos de direitos básicos em nome da (sensação de) segurança. Qualquer relação com o "Projeto Azeredo" não é mera coincidência. A diferença é que aqui, ao invés da pessoa ficar imobilizada, sua vida digital é que corre o risco de ficar. Coisas do ser humano…

Previous Post Next Post