Vou fugir um pouco aos temas recorrentes aqui na teia e falar de um assunto nunca tratado aqui: religiosidade. Originário de uma família católica, conheci o espiritismo na minha adolescência e senti-me muito atraído pela doutrina. Especialmente porque ela me dava muitas respostas que nunca havia encontrado antes. Apesar de não frequentar nenhum local específico e questionar algumas posturas de determinados integrantes da doutrina, tenho a minha fé e, junto com minha esposa, mantemos nossa crença em seus princípios básicos.

Nunca fui muito de ficar propagando minha escolha pelo espiritismo, sempre assumi uma postura mais discreta. Mas ontem fui ao cinema assistir "Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito" e o filme, de certa forma, mexeu comigo. Resolvi então escrever esse texto.

O filme em si, analisando estritamente a questão técnica, é mediano. A atuação de alguns atores é pouco convincente e a história é apresentada com alguns elementos de metalinguagem que tornam um pouco confusa a sua compreensão. Entretanto, a mensagem e os ensinamentos que a película passa são tão ricos que esses detalhes se tornam secundários.

Pra quem não conhece o conhece, Bezerra de Menezes foi um cearense que nasceu em 1831 e, com dezoito anos mudou-se para o Rio de Janeiro, à epoca, a capital do Brasil. Apesar de participar da vida política como vereador e deputado, sua principal atuação foi na Medicina, onde ficou conhecido como o médico dos pobres, devido ao seu trabalho humanitário e sua grande consideração pelos mais necessitados. Em meio à sua trajetória médica, conheceu o espiritismo e, mesmo sofrendo um grande preconceito, inclusive por parte da sua família de origem, foi um grande propagador da doutrina. Maiores informações podem ser obtidas em uma breve biografia disponível nesse sítio.

E como é belo o legado desse homem. Um exemplo de humildade e respeito ao próximo raro de se ver nos dias de hoje, mesmo entre aqueles que enchem o peito para se dizerem seguidores dos ensinamentos de Jesus. E o mais interessante é que sua mensagem extrapola a questão religiosa. Afinal, ela é basicamente calcada em uma idéia essencialmente ética: considerar as outras pessoas igualmente importantes, independente de sua classe social. Algo tão básico que, se fosse seguido à risca, não teríamos nenhum dos grandes problemas que enfretamos hoje no mundo, como a miséria e a fome.

Inclusive é curioso como, avaliando seus aspectos filosóficos, o movimento de software livre caminha justamente por essa trilha do respeito ao próximo, uma vez que um dos seus princípios básicos é que todo conhecimento deve ser igualmente compartilhado entre as pessoas, de maneira irrestrita e incondicional. Pena que nem todo usuário de software livre pense assim e veja esse movimento como algo capaz somente de produzir softwares eficientes e não elementos de transformação social.

Entre as diversas passagens do filme, três me marcaram bastante. A primeira delas é uma bela profissão de fé que o Bezerra de Menezes faz, através de uma carta, respondendo a correspondência enviada pelo seu irmão, indignidado por ele ter se declarado espírita publicamente. A segunda é um diálogo entre o Bezerra de Menezes e um materialista, em uma cena bela e bem forte. A última, que aparece no filme em off, é uma reflexão do médico, eu transcrevo abaixo:

"O médico verdadeiro não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a hora, de inquirir se é longe ou perto. O que não atende por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, ou por ser alta noite, mau o caminho ou tempo, ficar longe, ou no morro; o que sobretudo pede um carro a quem não tem como pagar a receita, ou diz a quem chora à porta que procure outro – esse não é médico, é negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros os gastos da formatura". Troque "médico" e "medicina" por qualquer outro profissional e profissão que lide com o público e você passa a ter uma bela lição para a humanidade…

Por essa e outras, recomendo a todos que assistam ao filme. Espero que aproveitem para refletir sobre suas posturas de vida e o que têm feito para tornar esse mundo um lugar melhor. E, mais importante do que a reflexão, façam alguma coisa para concretizar isso. Pode até ser algo simples, como escrever um texto como esse… É preferível um pequeno passo realizado do que um grande nunca efetuado. 

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