Assisti hoje a uma reportagem do Jornal da Globo no blog Ciberespaço na Escola. Isso foi o gatilho para um texto que estou ensaiando escrever há algum tempo sobre a Google. O problema é que, mesmo resumindo minhas idéias, ele ficou meio grandinho (na verdade, ficou enorme). Para os corajosos que chegarem até o final, meus agradecimentos… !
E o tema, como indica o nome do artigo, é a Google. A não ser que você tenha vivido em uma caverna nos últimos 10 anos sabe que essa empresa é, hoje, a maior referência em buscas pela Internet. Mas poucos se dão conta que a Google é muito mais do que isso. E esse "muito mais" é bem mais assustador do que parece.
No vídeo citado acima, a Google é apresentada como uma empresa "inovadora" que vai "mudar o futuro da informática". E como ela vai fazer isso? Simples. Ela vai mover o processamento da máquina para a Internet. Ou seja, imagens, textos e até mesmo os programas, ao invés de ficarem no computador, vão para a grande rede. E chamam isso de "computação nas nuvens". Seguindo esse conceito, será possível acessar todos os seus arquivos de qualquer lugar do planeta, fazer computadores baratíssimos, pois ele só terá que acessar a rede, todo o resto do processamento será feito em um computador hospedado na Internet, e trabalhar remotamente com qualquer pessoa que esteja conectada à grande rede. Parece um conceito genial. Mas, do jeito que está sendo construído, não é.
Em primeiro lugar, esse conceito de "Internet Office" não é novo (e não é da Google). Já se discute isso desde meados da década de 90, logo após a popularização da Internet. A questão é que hoje a rede oferece uma infra-estrutura que torna isso possível. E a Google está se aproveitando disso e dando um nome. E, no mundo capitalista, quem dá nome a uma coisa, vira seu dono (é engraçado como isso é similar a alguns preceitos de escritos de magia, mas isso é outra discussão).
E aí vem a primeira questão. Será que realmente é interessante colocarmos TUDO o que produzimos na Internet? O que acontece com conceitos como privacidade e segurança quando fazemos isso? Pode parecer papo paranóico, mas não é. Um exemplo disso é o GMail, que é da própria Google. Quem usa esse serviço já deve ter percebido que as propagandas que aparecem na tela, quando se está lendo alguma mensagem, têm a ver com o assunto e mesmo o conteúdo dessa mensagem. Isso porque o GMail tem um "robô" (que é um software) que analisa sua mensagem e procura por propagandas (em seu banco de dados) que tenham a ver com ela. Parece bem legal receber somente propagandas que você, em teoria, queira ver. Mas já pararam pra pensar que o mesmo robô que procura por propagandas contextualizadas pode passar esses dados para outros softwares ou bancos de dados? Essa mesma tecnologia é utilizada por todos os outros serviços oferecidos hoje diretamente pela Google.
No vídeo também mostra que a Google adquire várias pequenas empresas (uma por semana, em média!) para aproveitar suas idéias. E é fácil perceber isso. Repare que vários serviços disponíveis pela Internet hoje tem a marca Google. E quando ela não consegue adquirir determinada companhia, adquire uma similar e começa a fazer concorrência. Curiosamente esse é o mesmo estilo da Microsoft, que não criou praticamente nenhum de seus softwares, mas sim adquiriu-os de outras empresas e adaptou-os. Isso nos leva a pensar que a Google não é tão inovadora assim, mas, simplesmente, sabe administrar as oportunidades que surgem. Igual à Microsoft. A diferença é que a Google é mais sutil.
Em outro momento do vídeo, declara-se que os funcionários da Google podem dedicar parte do seu tempo de trabalho (20%) em projetos pessoais. Parece muito bacana uma empresa permitir isso. Só tem um detalhe. Os projetos, apesar de terem o nome de "pessoais", na verdade servem para aprimorar ou acrescentar produtos à própria Google. Ou seja, são projetos "pessoais" que pertencem à empresa. Não é um conceito curioso?
Agora vamos compor o cenário. A Google tem, hoje acesso à praticamente qualquer tipo de informação sobre as pessoas. Duvida? Então olhem só. Com o buscador eles têm acesso a o que está sendo produzido na Internet e o que as pessoas acham disso (sítios mais visitados ou mais referenciados estão chamando mais atenção e devem ser analisados com mais cautela). Assim eles podem direcionar melhor seus esforços de aquisições: preste atenção àquilo que está chamando mais atenção. Com o GMail, o Google Talk e o Google Grupos eles tem acesso àquilo que está sendo conversado e discutido na rede. Com o Google Calendar, eles podem acessar os compromissos e tarefas das pessoas. Com o Orkut, eles têm acesso a gostos pessoais, rede de relacionamentos e atividades dos usuários. Com o Blogger e o Jaiku (serviço semelhante ao Twitter) eles tem acesso a conteúdo produzido e a o que as pessoas estão fazendo. Com o Picasa, às imagens. E, por fim, com o Google Documents eles podem acessar os documentos que as pessoas produzem. Esse, particularmente, é o pesadelo dos paranóicos. Lembrem-se que as pessoas perdem um pouco a noção de que, ao usar um serviço desses, seu conteúdo está hospedado em uma empresa de outro país e acabam colocando dados que, definitivamente, não deveriam sair nem mesmo do computador delas. Pra vocês terem uma idéia do nível de preocupação lá fora, dêem uma olhada nesse artigo da folha, que fala do GMail e a questão da privacidade.
Agora imaginem um grande serviço de mineração de dados em cima disso tudo. Com isso, e dependendo da atividade da pessoa, a Google pode traçar um perfil completo dela, desde gostos pessoais até imagens e atividades. Essa informação pode ser usada para várias atividades e interessam a várias empresas, especialmente as da área de seguros e planos de saúde. Além disso, dados na Internet significam menos sigilo, menos privacidade e maior exposição a ataques e vírus. Isso por um motivo muito simples. Por mais que se invista em tecnologia de combate a malwares, é impossível construir um sistema à prova de falhas. E isso é a realidade hoje. Imaginem quando as pessoas começarem a fazer TODO o seu trabalho na Internet? Ah, e é sempre bom lembrar que a tal "computação nas nuvens" só estará acessível a quem tiver conexão rápida com a Internet. Em um país como o nosso em que nem mesmo o acesso discado está disponível em alguns locais, como fica isso? E outra, usando os celulares como analogia, é sempre bom lembrar que hoje, serviços de telefonia móvel podem custar muito mais do que o aparelho. Então de que adianta produzir computadores baratos se o preço do serviço para acessar os programas na rede for elevado? Estaremos criando uma nova categoria de exclusão digital?
Bom, depois de tudo isso, quer dizer que devemos abolir a Internet das nossas vidas? De forma alguma! Mas devemos ter cuidado e usar os recursos disponíveis com critério. E ter sempre em mente que empresas como a Google apesar de parecerem "boazinhas", no final das contas são empresas. E como tais, sua preocupação final é com o lucro. É sempre bom lembrar disso antes de colocarmos nossas "vidas digitais" na mão delas.